Criaram o Perfil Criminoso


Recentemente, num site de filmes e séries bem conhecido, assisti um documentário muito interessante chamado “13ª Emenda” (Décima Terceira Emenda), o qual retrata o contexto histórico americano de como a constituição dos Estados Unidos foi emendada para assegurar o fim do trabalho escravo naquele país, no entanto, a grande sacada desse documentário, foi apresentar como esse ganho na constituição transformou a violência já existente em um problema que passou a ser propositalmente atribuído a negros e pobres, revelando hoje o perfil social e racial da maior comunidade carcerária do mundo, amparada no discurso da ordem e da lei para todos. 

Mas qual a relação desse documentário com o BraZil? 
Posso dizer que guardamos muitas semelhanças com os Estados Unidos, não por que já tivemos uma bandeira parecida, ou porque tentamos também ser uma federação sem nunca termos conseguido, não, o histórico americano do clamor por segurança, justiça e pelo fim da violência guarda muitas semelhanças com nosso atual roteiro político social.

Vejamos que o clamor por segurança, justiça e pelo fim da violência está novamente em voga no cenário brasileiro, no entanto, não podemos dizer que a violência alcançou seu ponto máximo na história, nem cravar a afirmação de que o sentimento de injustiça quanto aos criminosos e a falta de segurança hoje são o nosso maior problema, mas sim um dos maiores incômodos e reivindicações sociais da história atual pernambucana e brasileira.

Ocorre que, na história da humanidade, afastar a violência e garantir segurança à vida, integridade física e ao patrimônio são reivindicações próprias do período de barbárie, da inexistência de leis e da ausência de um poder maior que viesse a assegurar que direitos naturais de qualquer pessoa não fossem atingidos repentinamente por outros, ou seja, hoje no Brasil, clamamos pelo que seria comum em terras sem lei e sem a força do Estado para repelir agressões.

Acontece que no Brasil, assim como nos Estados Unidos, toda a política de combate à violência de reivindicação por segurança, apresenta por trás das cortinas, um teor de criminalização racial e da pobreza, teor este nem sempre revelado, mas oriundo do déficit social causado pelo fim da escravatura, que na defesa de André Rebouças deveria vir acompanhado de distribuição de terras para os negros libertos, reforma agrária, mas que é ignorada e representa uma das causas da criação de abismos sociais no país, este reforçada por um racismo institucionalizado por lei, imprensa, moda, no direcionamento de políticas públicas, tudo amparado nos discursos de uma igualdade formal, mas que ignora a desigual construção e representatividade.

Podemos assim apontar que leis como a “Lei da Vadiagem” que perdurou até os anos 70, sendo usada pela polícia como pretexto para prender suspeitos de crimes, principalmente pobres, negros e pessoas sem emprego, bastando estas estarem ociosas, ou seja, por mais de 40 anos, já no pós escravidão, o Estado cuidou de construir por meio de suas estruturas, leis que, sob o pretexto da ordem e da segurança, criminalizaram aqueles que a classe política proclamadora da republica consentiu ainda no império com a sua libertação em troca da manutenção dos seus privilégios.

De fato copiamos a trajetória americana, e não apenas excluímos os que escravizamos, mas cuidamos de construir o perfil criminoso, carcerário e das vítimas, afinal, o clamor pelo patrimônio (celular, carro, carteira) é branco, mas a ausência de visibilidade e voz pelas vidas perdidas é negra, o que se observa no Mapa da Violência com dados ainda de 2010 que já revelavam que morreram 132% mais negros do que brancos por homicídios no Brasil, vendo estados como a Paraíba que apresentou proporção de um branco assassinado para cada 19 negros assassinados, ou Alagoas, com um branco para cada 18 negros.

É claro que o ser criminoso não tem nenhuma relação com a cor de pele, qualquer ideia nesse sentido é mais um reflexo de uma construção racista por vezes ignorada por homens brancos e classe média como a pessoas que aqui vos escreve.

Devemos sim reivindicar segurança, fim da violência, no entanto, devemos refletir sobre a construção histórica e institucionalizada do perfil criminoso, que nos remete não para um Estado ineficiente apenas hoje, mas para um país construído com débitos sociais, de reforma agrária real, que na sua construção resolveu atribuir cor de pele ao perfil criminoso, que decidiu lançar para os morros sua mão de obra produtiva porem invisibilizada em detrimento de interesses que se perpetuam no poder.

Mais do que polícia, mais do que investimentos em inteligência, a violência se não for observada também segundo a forma de sua construção, e não apenas de sua repressão, terminará por perpetuar o perfil criminoso de forma racista, tal e qual fizeram democratas e republicanos americanos, superlotando penitenciárias, mas ignorando que a violência dos que detêm o poder político e financeiro escolhe consciente ou inconscientemente suas vítimas, transformando as suas vítimas em algozes de uma sociedade que apenas reproduz seus prestigiados discursos.

País em que o problema não é cometer um crime, o problema é ter perfil social e racial em desacordo com o que a sociedade de massa deseja ver como bandido morto, ao passo em que reelege criminosos engravatados, condenados e que pela gama de privilégios e status que carregam, são facilmente perdoados pelo voto.
Caio Sousa

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